Os jogos da Lobotomy para o Sega Saturn
Uma entrevista com a Lobotomy –
2005
A Lobotomy Software foi para o
Sega Saturn o que a Treasure foi para o Mega Drive/Sega Genesis: uma
desenvolvedora cult que, longe de ser
campeã de vendas, produziu jogos que tecnicamente ninguém acreditava que
poderiam ser produzidos para os respectivos sistemas. A Lobotomy ficou
conhecida por excelentes ports de
jogos em primeira pessoa 3D (FPS),
que apresentavam cadências e efeitos
de iluminação que rivalizavam com o que de melhor existia para os consoles
concorrentes da Nintendo e da Sony, tidos como máquinas superiores no que se
refere a jogos em três dimensões. Um dos principais responsáveis pela qualidade
desses ports foi o programador Ezra
Dreisbach que, meticulosamente, desenvolveu a SlaveEngine, um motor gráfico próprio para jogos em primeira pessoa
3D no Sega Saturn. Apesar dos ports
da Lobotomy terem sido aclamados por parte da crítica como as melhores versões
para consoles, as vendas foram baixas os custos de desenvolvimento altos, o que
acabou por arrasar financeiramente a Lobotomy que, logo após o lançamento de
Duke Nukem 3D para Sega Saturn (1997), foi vendida e posteriormente fechada. Na
entrevista abaixo, concedida a Aydan (contribuidor do portal Sega Saturn: UK),
Ezra não poupa a Sega pelas decisões em relação à arquitetura fora do padrão do
Sega Saturn, nem tampouco livra a cara dos responsáveis pela Lobotomy que
assinaram os contratos para ports
que, na verdade, eram praticamente jogos novos, quase inteiramente reescritos.
Para Ezra, os contratos com a Sega praticamente mataram a Lobotomy, e embora
fosse possível fazer bons jogos em 3D para o Saturn, eles custavam muito caro. De toda forma, os jogos da Lobotomy permanecem
entre os mais queridos pelos fãs do Sega Saturn e, por que não, por todos os
apreciadores da 5ª geração de consoles de vídeo games. A entrevista apresenta
informações muito interessantes sobre a indústria de jogos para consoles de
vídeo games no período em que o Sega Saturn, o Playstation 1 e Nintendo 64 estavam
nas prateleiras.
Pergunta: Olá Ezra! Mais uma muito obrigado por tirar um tempo para
me responder algumas perguntas.
Resposta: Sem problemas!
P: Eu vou perguntar algumas questões sobre a história da Lobotomy e
também sobre o tempo em que vocês, gigantes da programação, eram os reis do
Sega Saturn. Uma vez que há muitos fãs
do trabalho da sua equipe, eu vou disponibilizar a entrevista para o portal
Sega Saturn: UK.
R: Isso é bom de ouvir, pois é sempre legal quando alguém aprecia o
seu trabalho!
P: Como foi seu primeiro contato
com a Lobotomy e por quê?
R: Eu estava trabalhando na
Universidade de Washington, por meio período, como parte de um time de
programação científica já há um ano.
Eu acabei o projeto que estava
sob minha responsabilidade, mas aparentemente ninguém se importou com ele. Isso
me deixou deprimido, então quando eu vi um papel com um anúncio de vaga para
programadores, eu me inscrevi.
Acabou que se trava de uma agência
de recrutamento que me enviou para entrevista em dois lugares, a Lobotomy e a
Boss Studio. A Boss não quis me contratar, mas a Lobotomy sim.
Coincidentemente, meu trabalho subsequente, na Snowblind Studios, era formado
por gente tanto da Lobotomy quando da Boss Studio.
P: Você tinha alguma informação
sobre os jogos que estavam sendo feitos? Alguma ideia sobre o assunto, o
design, as ideias etc.?
R: Todo mundo que trabalha num
jogo acaba afetando o resultado. Eu era apenas o programador do PowerSlave no
Saturn, mas eu acabei afetando bastante o conteúdo do jogo.
P: Todo mundo sabe que o Saturn
era difícil de trabalhar, mas a sua equipe conseguiu extrair alguns dos
melhores gráficos 3D para o sistema, se não os melhores. Como vocês conseguiram
isso?
R: Provavelmente, apenas porque
nós nos importávamos com isso. Quando um sistema, ao mesmo tempo (a) Não está
vendendo bem e (b) É retardado, então fica fácil decidir fazer apenas um port algo meia boca. PowerSlave foi o
meu primeiro jogo, então eu me importava bastante com ele.
P: Quais são os seus sentimentos
pessoais em relação ao desenvolvimento para o Saturn? Algum momento no qual
você simplesmente não conseguia fazer o programa rodar do jeito que você queria
etc.?
R: O Saturn tem um design
terrível. Claro, alguns caras fizeram excelentes jogos para ele, mas o Saturn
não os estava ajudando.
A pior parte era a recusa em se
beneficiar de décadas de desenvolvimento que nós já tínhamos em gráficos 3D e,
para piorar ainda mais, o super-luxoso, mas completamente sem sentido, suporte
para planos de fundo em 2D (tiled
background).
P: O que era mais difícil de
conseguir no Saturn na qualidade de programador? Cadência (frame rate)
consistente? Gráficos legais? Etc.
R: A coisa mais difícil é que
algumas coisas relacionadas a funcionalidades gráficas básicas não estão
presentes: algumas vezes você consegue contornar o problema, bastando algum
esforço adicional. Em outras, é possível “hackear” o sistema para criar um glitch que substitua aquela função e,
por fim, em outros casos é simplesmente impossível.
P: Eu sei que a Sega Saturn
Magazine (Reino Unido) valorizou muitos os jogos de vocês e ajudou a chamar
atenção pra eles. Isso funcionou? Isto é, os jogos venderam bem?
R: Os jogos não venderam bem, o
que contribuiu para o fim da Lobotomy. Mas eles venderam um pouco melhor no
Reino Unido. Obrigado Sega Saturn Magazine!
O Reino Unido também anda jogando
bastante Death Tank, então obrigado para o Reino Unido também. Eu sempre tentei
fazer com que o sistema PAL funcionasse direito para vocês.
P: Como a Lobotomy acabou ficando
numa situação financeira tão complicada? Foram as baixas vendagens dos jogos ou
outras coisas?
R: Os ports (PowerSlave, Duke
Nukem e Quake) acabaram deixando a Lobotomy numa situação financeira pior do
que no início. Como eu já disse em outra oportunidade, uma vez que o Saturn é
tão diferente do ponto de vista do desenvolvimento, os “ports” necessitaram de esforço extra. A arte e algum design de
fases foram incorporados. O resto todo foi refeito pela Lobotomy.
Meu palpite é que o problema
estava na diferença entre o que nós recebemos para fazer os ports e o que eles de fato custaram. Uma
desenvolvedora como a Lobotomy, que cuidava de um projeto de cada vez, sofria
grande pressão financeira durante o período entre o desenvolvimento de um jogo
e a assinatura de um novo contrato. A Lobotomy não foi forte o suficiente para
sobreviver.
P: Eu sou um grande fã de
PowerSlave (Exhumed – EU / A.D. 1999: Pharaoh's Revival – JP) e eu me lembro de
ler sobre uma continuação. Eu acho que ela também ocorreria no Egito, e seria
em terceira pessoa. Isso é verdade? Você pode nos dar qualquer informação sobre
esse jogo?
R: O desenvolvimento não foi
muito adiante. Certamente era uma reação à Tomb Raider, então provavelmente
teria algumas similitudes. O terreno seria feito de “blocos” geométricos
repetidos, mais ou menos como os mapas em 2D são construídos. Isso parecia uma
boa ideia, já que permitiria uma densidade geométricas bem superior a de Tomb
Raider.
P: Por que foi cancelado? Falta
de recursos? Competição de Tomb Raider?
R: Lobotomy tentou conseguir que
alguém publicasse o jogo, mas dada a nossa terrível situação financeira, não
houve tempo suficiente.
O cancelado Power Slave 2 - via www.unseen64.net
P: Vocês conseguiram fazer ports fantásticos de Duke Nukem 3D e
Quake. Como foi possível? Para um console que “não conseguia fazer 3D” vocês
certamente fizeram acontecer.
R: Eles eram baseados no motor
gráfico de PowerSlave para o Saturn. Conforme eu mencionei antes, eu me
importava bastante com ele.
P: Eu sei que durante o
desenvolvimento de Duke e de Quake a Lobotomy foi dividida em dois times,
correto? Qual era a sua posição no desenvolvimento? Que tipo de caminhos foram
percorridos e você teria qualquer informação subsidiária sobre o que aconteceu
no processo de desenvolvimento?
R: Eu continuei trabalhando no
motor gráfico de PowerSlave para adaptá-lo à necessidade dos outros ports. Uma
das principais diferentes das versões do Saturn para as versões de PC é que
nestes até mesmo uma parede gigante era renderizada como se fosse apenas u
polígono. No Saturn as paredes precisavam ser fatiadas em pequenos pedaços,
então uma parede gigante acaba se tornando um grande número de polígonos. Isso
faz com que áreas abertas, nas quais você pode ver uma grande parte da parede,
acabem rodando muito lentamente. Eu fiz algum trabalho direcionado para
combinar os vários blocos das paredes de forma a que eles se combinassem
automaticamente em alguns “mega-blocos”, renderizando as paredes como se elas
estivessem bem longe. Isso permitiu preservar melhor o design original dos
jogos, mas ainda assim foi necessário ajeitar o design de muitas fases.
Outro fantástico problema
relacionado ao design das fases que eu tive que enfrentar foram os elevadores.
O motor gráfico “Build” (utilizado em Duke Nukem, no PC) não tinha suporte para
dois níveis igualmente caminháveis que estivessem diretamente abaixo/acima uma
da outra. Assim, em algumas partes, quando você está num elevador, tem um ponto
no qual o personagem é invisivelmente teletransportado para um elevador
idêntico em algum outro ponto do mapa. Então você continuava sua caminhada e
saia do elevador no nível superior. O nosso motor gráfico, contudo, não tinha
essa limitação, então era mais fácil para a gente colocar os níveis juntos. Mas
em alguns casos há alguns túneis de serviço cujas posições não são
espacialmente consistentes. Isto é, o elevador do túnel de serviço de baixo
deveria estar a 30 metros do túnel de serviço de cima, mas na verdade estava a
50 metros.
Quake, para Sega Saturn
P: Você acha que poderia ter
levado o Saturn ainda mais longe em termos gráficos? Você viu a versão de
Shenmue para Saturn, por exemplo? Muita gente acredita que o consolide possui
um poder que nunca foi realmente utilizado.
R: A questão é o quanto é difícil
desenvolver para a sua máquina. Certamente a Sega conseguia enfiar os recursos
em programação especializada e em arte que eram necessários para fazer algo bom,
mas por que qualquer outra empresa faria isso? Não é como se o Saturn fosse
maluco e difícil para se programar porque sua complexidade pudesse gerar algum
benefício. Não, o hardware era complexo porque foi elaborado de forma estúpida.
P: Houve algum plano para criar
Death Tank como um jogo independente naquele período ou você pessoalmente
desejou esperar para ver como ele se sairia em tempos futuros?
R: Antes da distribuição on-line,
não existia mercado para pequenos jogos de console. Então eu preferi esperar um
pouco.
P: Você fez algo naquele tempo
que faria hoje diferente se tivesse a oportunidade? O que seria?
R: Eu teria me poupado um bom
dinheiro e aborrecimento se eu pudesse ter ficado com os direitos de Death Tank
quando a Lobotomy entrou em colapso.
P: Como era trabalhar com os
outros caras da Lobotomy?
R: A Lobotomy era o trabalho mais
divertido do mundo. As pessoas que visitavam nosso escritórios às vezes
comentavam que era como uma casa de fraternidade, na qual você ficava com os
chapas o dia todo. Não se podia morar
lá, mas eu eventualmente me mudou para um apartamento próximo com outros dois
programadores da Lobotomy, e isso era quase tão divertido.
P: Por que o port de PowerSlave
para o PSX foi mudado? Muitos níveis foram refeitos e algumas coisas foram
adicionadas. Foi porque você queria melhorar as coisas em relação ao Saturn, ou
porque algumas coisas ficaram de fora na versão do Saturn e foram adicionadas
no PSX porque o Saturn não conseguia rodá-las?
R: A versão do Saturn foi
terminada um pouco antes da versão do PSX, então o desenvolvimento continuou
nos níveis. Eu acho que a versão do Saturn estava com desempenho um pouco
melhor do que a versão do PSX, então alguns níveis precisaram ser modificados.
Isso não faz deles piores, contudo.
P: Continuando no tema, teve
algum material no PSX que foi cortado do Saturn? Tipo o golfinho e aquelas
coisas que pareciam águias que aparecem quando você acha a “team doll”?
Da mesma forma, muitas coisas
foram mudadas para o PSX, os menus, os níveis etc. Você pode nos detalhar
porque isso ocorreu?
R: Mesmo que as duas versões
sejam muito similares, o código base para os dois jogos (estupidamente!) foram
preparados de forma completamente separada. Eu escrevi cada linha para o Saturn
e o Jeff Blazier escreveu inteiramente a versão do PSX. Essa não é a forma
correta de se fazer esse tipo de coisa. Como regra, a administração da Lobotomy
deveria ter feito com que eu fizesse um port
do trabalho do Jeff, mas na prática eu estou feliz que eles não tenham feito.
P: Tem algo que você gostaria de
dizer para os fãs da Lobotomy como eu mesmo? E também, como estão as coisas
para você na indústria (de jogos) nesses dias?
R: Eu não estou exatamente
próspero. Mas eu tenho trabalhado exatamente no que eu quero. Hum...talvez seja
exatamente por isso que eu não esteja próspero.
P: O que aconteceu com os códigos
fontes dos jogos da Lobotomy após o fechamento da empresa? Alguma chance do
código fonte de PowerSlave para PC aparecer para que as pessoas façam ports
para novos hardwares, tal como foi feito com Doom, Duke Nukem etc? Você sabe se
nós vamos chegar a ver um remake de
PowerSlave? Ou pelo menos um lançamento na Xbox Live ou PSN etc?
R: Eu nunca vi os contratos de
desenvolvimento da Lobotomy, mas eu acho que a Playmates Interactive Entertainment
tem agora os direitos sobre PowerSlave. Algum tempo atrás um cara estava me
perguntando algo parecido. Ele me disse que questionou a Playmates sobre isso e
que eles não tinham sequer ideia do que ele estava falando. Isso não quer dizer
que eles não possuam, contudo. Se eles não são os donos, então é capaz do
cadáver da Lobotomy ainda ter os direitos. É meio caro e complicado conseguir
que companhias mortas vendam suas propriedades, mas eu acho que ninguém
acredita que PowerSlave valha algum dinheiro, então eu realmente duvido que
alguém vá levantar os recursos necessários para o juridiquês necessário.
P: Por que o nome mudou de
PowerSlave para Exhumed (nos territórios PAL) e AD 1999 (no Japão)? Sei que
isso é meio comum, mas o nome PowerSlave foi retirado de um álbum do Iron
Maiden chamado Powerslave e no qual há uma arte egípcia, ou não foi? Ou se
trata apenas de coincidência?
R: O nome original do jogo era “Ruins”.
Em algum ponto nós decidimos que isso não chamava atenção suficiente e tivemos
um encontro na sala de reuniões para decidir um novo nome. Sugestões foram
escritas num quadro branco, e todos votaram. Eu não me lembro de ninguém fazer
a conexão com Iron Maiden naquela reunião. Eu certamente não sabia nada a
respeito. Quando aos territórios do sistema PAL, a empresa que iria publicar o
jogo, a BMG, não gostou do título, então eles se saíram com esse Exhumed. A
empresa responsável pela publicação no Japão tampouco gostou, então eles usaram
“A.D 1999: Resurrection of the Pharaoh”.
P: Tem algo que a Lobotomy queria
colocar em PowerSlave que acabou não entrando na versão final, tanto para
Saturn como OS? Qualquer coisa em versões beta/alpha como níveis perdidos,
itens não utilizados etc.?
R: Eu tenho certeza que tinha,
mas não consigo lembrar.
P: Bem, é isso por hora! Muito
obrigado pelo seu tempo, Ezra. Eu e todos no portal Sega Saturn: UK estamos
muito agradecidos pelas suas informações.
R: Sem problemas!
Nota do Subchefe da Super Drive
bits: a entrevista original, em Inglês, está disponível aqui:
http://www.segasaturn.co.uk/beta/news/ezra-dreisbach-interview/#sthash.OiCFbGzI.dpuf
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