sábado, 7 de janeiro de 2017

Sega Saturn - Uma entrevista com a Lobotomy (2014)

Os jogos da Lobotomy para o Sega Saturn


Uma entrevista com a Lobotomy – 2005

A Lobotomy Software foi para o Sega Saturn o que a Treasure foi para o Mega Drive/Sega Genesis: uma desenvolvedora cult que, longe de ser campeã de vendas, produziu jogos que tecnicamente ninguém acreditava que poderiam ser produzidos para os respectivos sistemas. A Lobotomy ficou conhecida por excelentes ports de jogos em primeira pessoa 3D (FPS), que apresentavam cadências e efeitos de iluminação que rivalizavam com o que de melhor existia para os consoles concorrentes da Nintendo e da Sony, tidos como máquinas superiores no que se refere a jogos em três dimensões. Um dos principais responsáveis pela qualidade desses ports foi o programador Ezra Dreisbach que, meticulosamente, desenvolveu a SlaveEngine, um motor gráfico próprio para jogos em primeira pessoa 3D no Sega Saturn. Apesar dos ports da Lobotomy terem sido aclamados por parte da crítica como as melhores versões para consoles, as vendas foram baixas os custos de desenvolvimento altos, o que acabou por arrasar financeiramente a Lobotomy que, logo após o lançamento de Duke Nukem 3D para Sega Saturn (1997), foi vendida e posteriormente fechada. Na entrevista abaixo, concedida a Aydan (contribuidor do portal Sega Saturn: UK), Ezra não poupa a Sega pelas decisões em relação à arquitetura fora do padrão do Sega Saturn, nem tampouco livra a cara dos responsáveis pela Lobotomy que assinaram os contratos para ports que, na verdade, eram praticamente jogos novos, quase inteiramente reescritos. Para Ezra, os contratos com a Sega praticamente mataram a Lobotomy, e embora fosse possível fazer bons jogos em 3D para o Saturn, eles custavam muito caro.  De toda forma, os jogos da Lobotomy permanecem entre os mais queridos pelos fãs do Sega Saturn e, por que não, por todos os apreciadores da 5ª geração de consoles de vídeo games. A entrevista apresenta informações muito interessantes sobre a indústria de jogos para consoles de vídeo games no período em que o Sega Saturn, o Playstation 1 e Nintendo 64 estavam nas prateleiras.

Pergunta: Olá Ezra! Mais uma muito obrigado por tirar um tempo para me responder algumas perguntas.
Resposta: Sem problemas!

P: Eu vou perguntar algumas questões sobre a história da Lobotomy e também sobre o tempo em que vocês, gigantes da programação, eram os reis do Sega Saturn.  Uma vez que há muitos fãs do trabalho da sua equipe, eu vou disponibilizar a entrevista para o portal Sega Saturn: UK.
R: Isso é bom de ouvir, pois é sempre legal quando alguém aprecia o seu trabalho!

P: Como foi seu primeiro contato com a Lobotomy e por quê?
R: Eu estava trabalhando na Universidade de Washington, por meio período, como parte de um time de programação científica já há um ano.
Eu acabei o projeto que estava sob minha responsabilidade, mas aparentemente ninguém se importou com ele. Isso me deixou deprimido, então quando eu vi um papel com um anúncio de vaga para programadores, eu me inscrevi.
Acabou que se trava de uma agência de recrutamento que me enviou para entrevista em dois lugares, a Lobotomy e a Boss Studio. A Boss não quis me contratar, mas a Lobotomy sim. Coincidentemente, meu trabalho subsequente, na Snowblind Studios, era formado por gente tanto da Lobotomy quando da Boss Studio.

P: Você tinha alguma informação sobre os jogos que estavam sendo feitos? Alguma ideia sobre o assunto, o design, as ideias etc.?
R: Todo mundo que trabalha num jogo acaba afetando o resultado. Eu era apenas o programador do PowerSlave no Saturn, mas eu acabei afetando bastante o conteúdo do jogo.

P: Todo mundo sabe que o Saturn era difícil de trabalhar, mas a sua equipe conseguiu extrair alguns dos melhores gráficos 3D para o sistema, se não os melhores. Como vocês conseguiram isso?
R: Provavelmente, apenas porque nós nos importávamos com isso. Quando um sistema, ao mesmo tempo (a) Não está vendendo bem e (b) É retardado, então fica fácil decidir fazer apenas um port algo meia boca. PowerSlave foi o meu primeiro jogo, então eu me importava bastante com ele. 

P: Quais são os seus sentimentos pessoais em relação ao desenvolvimento para o Saturn? Algum momento no qual você simplesmente não conseguia fazer o programa rodar do jeito que você queria etc.?
R: O Saturn tem um design terrível. Claro, alguns caras fizeram excelentes jogos para ele, mas o Saturn não os estava ajudando.
A pior parte era a recusa em se beneficiar de décadas de desenvolvimento que nós já tínhamos em gráficos 3D e, para piorar ainda mais, o super-luxoso, mas completamente sem sentido, suporte para planos de fundo em 2D (tiled background).

P: O que era mais difícil de conseguir no Saturn na qualidade de programador? Cadência (frame rate) consistente? Gráficos legais? Etc.
R: A coisa mais difícil é que algumas coisas relacionadas a funcionalidades gráficas básicas não estão presentes: algumas vezes você consegue contornar o problema, bastando algum esforço adicional. Em outras, é possível “hackear” o sistema para criar um glitch que substitua aquela função e, por fim, em outros casos é simplesmente impossível.

P: Eu sei que a Sega Saturn Magazine (Reino Unido) valorizou muitos os jogos de vocês e ajudou a chamar atenção pra eles. Isso funcionou? Isto é, os jogos venderam bem?
R: Os jogos não venderam bem, o que contribuiu para o fim da Lobotomy. Mas eles venderam um pouco melhor no Reino Unido. Obrigado Sega Saturn Magazine!
O Reino Unido também anda jogando bastante Death Tank, então obrigado para o Reino Unido também. Eu sempre tentei fazer com que o sistema PAL funcionasse direito para vocês.

P: Como a Lobotomy acabou ficando numa situação financeira tão complicada? Foram as baixas vendagens dos jogos ou outras coisas?
R: Os ports (PowerSlave, Duke Nukem e Quake) acabaram deixando a Lobotomy numa situação financeira pior do que no início. Como eu já disse em outra oportunidade, uma vez que o Saturn é tão diferente do ponto de vista do desenvolvimento, os “ports” necessitaram de esforço extra. A arte e algum design de fases foram incorporados. O resto todo foi refeito pela Lobotomy.
Meu palpite é que o problema estava na diferença entre o que nós recebemos para fazer os ports e o que eles de fato custaram. Uma desenvolvedora como a Lobotomy, que cuidava de um projeto de cada vez, sofria grande pressão financeira durante o período entre o desenvolvimento de um jogo e a assinatura de um novo contrato. A Lobotomy não foi forte o suficiente para sobreviver.

P: Eu sou um grande fã de PowerSlave (Exhumed – EU / A.D. 1999: Pharaoh's Revival – JP) e eu me lembro de ler sobre uma continuação. Eu acho que ela também ocorreria no Egito, e seria em terceira pessoa. Isso é verdade? Você pode nos dar qualquer informação sobre esse jogo?

R: O desenvolvimento não foi muito adiante. Certamente era uma reação à Tomb Raider, então provavelmente teria algumas similitudes. O terreno seria feito de “blocos” geométricos repetidos, mais ou menos como os mapas em 2D são construídos. Isso parecia uma boa ideia, já que permitiria uma densidade geométricas bem superior a de Tomb Raider.

P: Por que foi cancelado? Falta de recursos? Competição de Tomb Raider?
R: Lobotomy tentou conseguir que alguém publicasse o jogo, mas dada a nossa terrível situação financeira, não houve tempo suficiente.


O cancelado Power Slave 2 - via www.unseen64.net


P: Vocês conseguiram fazer ports fantásticos de Duke Nukem 3D e Quake. Como foi possível? Para um console que “não conseguia fazer 3D” vocês certamente fizeram acontecer.

R: Eles eram baseados no motor gráfico de PowerSlave para o Saturn. Conforme eu mencionei antes, eu me importava bastante com ele.

P: Eu sei que durante o desenvolvimento de Duke e de Quake a Lobotomy foi dividida em dois times, correto? Qual era a sua posição no desenvolvimento? Que tipo de caminhos foram percorridos e você teria qualquer informação subsidiária sobre o que aconteceu no processo de desenvolvimento?
R: Eu continuei trabalhando no motor gráfico de PowerSlave para adaptá-lo à necessidade dos outros ports. Uma das principais diferentes das versões do Saturn para as versões de PC é que nestes até mesmo uma parede gigante era renderizada como se fosse apenas u polígono. No Saturn as paredes precisavam ser fatiadas em pequenos pedaços, então uma parede gigante acaba se tornando um grande número de polígonos. Isso faz com que áreas abertas, nas quais você pode ver uma grande parte da parede, acabem rodando muito lentamente. Eu fiz algum trabalho direcionado para combinar os vários blocos das paredes de forma a que eles se combinassem automaticamente em alguns “mega-blocos”, renderizando as paredes como se elas estivessem bem longe. Isso permitiu preservar melhor o design original dos jogos, mas ainda assim foi necessário ajeitar o design de muitas fases.
Outro fantástico problema relacionado ao design das fases que eu tive que enfrentar foram os elevadores. O motor gráfico “Build” (utilizado em Duke Nukem, no PC) não tinha suporte para dois níveis igualmente caminháveis que estivessem diretamente abaixo/acima uma da outra. Assim, em algumas partes, quando você está num elevador, tem um ponto no qual o personagem é invisivelmente teletransportado para um elevador idêntico em algum outro ponto do mapa. Então você continuava sua caminhada e saia do elevador no nível superior. O nosso motor gráfico, contudo, não tinha essa limitação, então era mais fácil para a gente colocar os níveis juntos. Mas em alguns casos há alguns túneis de serviço cujas posições não são espacialmente consistentes. Isto é, o elevador do túnel de serviço de baixo deveria estar a 30 metros do túnel de serviço de cima, mas na verdade estava a 50 metros.


Quake, para Sega Saturn


P: Você acha que poderia ter levado o Saturn ainda mais longe em termos gráficos? Você viu a versão de Shenmue para Saturn, por exemplo? Muita gente acredita que o consolide possui um poder que nunca foi realmente utilizado.
R: A questão é o quanto é difícil desenvolver para a sua máquina. Certamente a Sega conseguia enfiar os recursos em programação especializada e em arte que eram necessários para fazer algo bom, mas por que qualquer outra empresa faria isso? Não é como se o Saturn fosse maluco e difícil para se programar porque sua complexidade pudesse gerar algum benefício. Não, o hardware era complexo porque foi elaborado de forma estúpida.


P: Houve algum plano para criar Death Tank como um jogo independente naquele período ou você pessoalmente desejou esperar para ver como ele se sairia em tempos futuros?
R: Antes da distribuição on-line, não existia mercado para pequenos jogos de console. Então eu preferi esperar um pouco.

P: Você fez algo naquele tempo que faria hoje diferente se tivesse a oportunidade? O que seria?
R: Eu teria me poupado um bom dinheiro e aborrecimento se eu pudesse ter ficado com os direitos de Death Tank quando a Lobotomy entrou em colapso.

P: Como era trabalhar com os outros caras da Lobotomy?
R: A Lobotomy era o trabalho mais divertido do mundo. As pessoas que visitavam nosso escritórios às vezes comentavam que era como uma casa de fraternidade, na qual você ficava com os chapas o dia todo.  Não se podia morar lá, mas eu eventualmente me mudou para um apartamento próximo com outros dois programadores da Lobotomy, e isso era quase tão divertido.

P: Por que o port de PowerSlave para o PSX foi mudado? Muitos níveis foram refeitos e algumas coisas foram adicionadas. Foi porque você queria melhorar as coisas em relação ao Saturn, ou porque algumas coisas ficaram de fora na versão do Saturn e foram adicionadas no PSX porque o Saturn não conseguia rodá-las?
R: A versão do Saturn foi terminada um pouco antes da versão do PSX, então o desenvolvimento continuou nos níveis. Eu acho que a versão do Saturn estava com desempenho um pouco melhor do que a versão do PSX, então alguns níveis precisaram ser modificados. Isso não faz deles piores, contudo.

P: Continuando no tema, teve algum material no PSX que foi cortado do Saturn? Tipo o golfinho e aquelas coisas que pareciam águias que aparecem quando você acha a “team doll”?
Da mesma forma, muitas coisas foram mudadas para o PSX, os menus, os níveis etc. Você pode nos detalhar porque isso ocorreu?

R: Mesmo que as duas versões sejam muito similares, o código base para os dois jogos (estupidamente!) foram preparados de forma completamente separada. Eu escrevi cada linha para o Saturn e o Jeff Blazier escreveu inteiramente a versão do PSX. Essa não é a forma correta de se fazer esse tipo de coisa. Como regra, a administração da Lobotomy deveria ter feito com que eu fizesse um port do trabalho do Jeff, mas na prática eu estou feliz que eles não tenham feito.

P: Tem algo que você gostaria de dizer para os fãs da Lobotomy como eu mesmo? E também, como estão as coisas para você na indústria (de jogos) nesses dias?
R: Eu não estou exatamente próspero. Mas eu tenho trabalhado exatamente no que eu quero. Hum...talvez seja exatamente por isso que eu não esteja próspero.

P: O que aconteceu com os códigos fontes dos jogos da Lobotomy após o fechamento da empresa? Alguma chance do código fonte de PowerSlave para PC aparecer para que as pessoas façam ports para novos hardwares, tal como foi feito com Doom, Duke Nukem etc? Você sabe se nós vamos chegar a ver um remake de PowerSlave? Ou pelo menos um lançamento na Xbox Live ou PSN etc?

R: Eu nunca vi os contratos de desenvolvimento da Lobotomy, mas eu acho que a Playmates Interactive Entertainment tem agora os direitos sobre PowerSlave. Algum tempo atrás um cara estava me perguntando algo parecido. Ele me disse que questionou a Playmates sobre isso e que eles não tinham sequer ideia do que ele estava falando. Isso não quer dizer que eles não possuam, contudo. Se eles não são os donos, então é capaz do cadáver da Lobotomy ainda ter os direitos. É meio caro e complicado conseguir que companhias mortas vendam suas propriedades, mas eu acho que ninguém acredita que PowerSlave valha algum dinheiro, então eu realmente duvido que alguém vá levantar os recursos necessários para o juridiquês necessário.

P: Por que o nome mudou de PowerSlave para Exhumed (nos territórios PAL) e AD 1999 (no Japão)? Sei que isso é meio comum, mas o nome PowerSlave foi retirado de um álbum do Iron Maiden chamado Powerslave e no qual há uma arte egípcia, ou não foi? Ou se trata apenas de coincidência?
R: O nome original do jogo era “Ruins”. Em algum ponto nós decidimos que isso não chamava atenção suficiente e tivemos um encontro na sala de reuniões para decidir um novo nome. Sugestões foram escritas num quadro branco, e todos votaram. Eu não me lembro de ninguém fazer a conexão com Iron Maiden naquela reunião. Eu certamente não sabia nada a respeito. Quando aos territórios do sistema PAL, a empresa que iria publicar o jogo, a BMG, não gostou do título, então eles se saíram com esse Exhumed. A empresa responsável pela publicação no Japão tampouco gostou, então eles usaram “A.D 1999: Resurrection of the Pharaoh”.

P: Tem algo que a Lobotomy queria colocar em PowerSlave que acabou não entrando na versão final, tanto para Saturn como OS? Qualquer coisa em versões beta/alpha como níveis perdidos, itens não utilizados etc.?
R: Eu tenho certeza que tinha, mas não consigo lembrar.

P: Bem, é isso por hora! Muito obrigado pelo seu tempo, Ezra. Eu e todos no portal Sega Saturn: UK estamos muito agradecidos pelas suas informações.
R: Sem problemas!

Nota do Subchefe da Super Drive bits: a entrevista original, em Inglês, está disponível aqui:

http://www.segasaturn.co.uk/beta/news/ezra-dreisbach-interview/#sthash.OiCFbGzI.dpuf

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